Maria Luíza
Por Blanchard Girão
“Pequenina figura de mulher, minha Mãe, Maria Luíza Girão Ribeiro, agiganta-se em qualquer rápida perquirição acerca de sua trajetória. Menina, ainda, seguiu com os pais para as remotas paragens amazônicas, vivendo parte de sua infância nas barrancas do Alto Madeira, onde seu Pai, meu avô Guilherme Regino de Oliveira, fincou os primeiros bastões da hoje cidade de Ariquemes, uma das principais do Estado de Rondônia.
Com a morte de meu avô, aos 41 anos, minha avó Felícia Girão de Oliveira retornou da aventura na floresta, trazendo a família desfalcada do chefe e de uma filha, que morreu em tenra idade. Minha mãe, como as irmãs e irmãos, contraíram impaludismo, a terrível malária amazônica, que iria, pelo resto da existência, debilitar-lhe o organismo.
Não obstante a fragilidade física, e a situação de pobreza da mãe viúva, ela evidenciou uma imensa disposição para os estudos, fazendo um curso brilhante, que culminou com a sua escolha como oradora da turma (1925) e a concessão, pelo Governo do Estado, de uma cadeira de professora na rede de ensino público, prêmio então oferecido, por força de lei, à melhor aluna da classe da Escola Normal (na época denominada de Pedro II).
Foi assim que D. Maria Luíza, no esplendor de sua juventude, com menos de 20 anos de idade, enfrentou corajosamente uma viagem de iate de Fortaleza a Acaraú, ao tempo um porto bastante movimentado do litoral norte do Estado.
Lá em Acaraú, saudosa da Mãe e dos irmãos, sozinha em meio estranho, acabou por dar o passo mais importante e definitivo de sua vida: casou com meu Pai, um jovem acarauense, escrivão da Coletoria Estadual – José Augusto Ribeiro. No Acaraú, nasceram-lhe os dois primeiros de uma prole de cinco filhos – eu e minha irmã, Sônia Maria, casada com João Luciano de Abreu Matos, mãe de numerosa família e avó de muitos netos.
Com a Revolução de 30, meu Pai perdeu o emprego de funcionário estadual pelo “crime” de ser ligado à chamada “Pátria Velha” (A História se repetiria 34 anos após com seu filho mais velho, cassado pela Revolução de 64). Depois de malograda tentativa comercial, e conseguindo a transferência da mulher para uma escola na Capital, meu Pai procedeu às despedidas do seu Acaraú muito amado e veio fixar-se em Fortaleza, já com dois filhos, uma apenas recém-nascida, no caso, Sônia.
Em Fortaleza, a vida de meus pais foi, sem favor, uma epopéia. Minha Mãe, para melhorar os rendimentos domésticos – (meu Pai conseguiu um modesto emprego de escrevente de cartório) – dava aulas noturnas na Fênix Caixeiral, enquanto pela manhã se deslocava para o então Mata Galinha, hoje Bairro Dias Macedo, varando os banhados do Cocó, até alcançar a escolinha onde lecionava.
Fazendo-lhe companhia (deixava os filhos pequenos com minha avó, em cuja casa, na Avenida do Imperador, vizinha à casa de Saúde César Cals, morava enquanto conseguia estabilizar-se), meu Pai também ia à Fênix na condição de aluno, de modo a conseguir a base necessária à conclusão dos estudos interrompidos em nível primário, em Acaraú.
Algum tempo depois, D. Maria Luíza – Lulu, como era carinhosamente tratada pela família – submeteu-se a um concurso para os quadros da Prefeitura de Fortaleza, do qual participaram várias e importantes personalidades na vida fortalezense. D. Lulu não deixou por menor – conquistou o 1º lugar. E meu Pai, igualmente, ia concluindo seus preparatórios, no velho Liceu do Ceará, até ingressar na Faculdade de Direito em 1940, bacharelando-se em 1944.
Outros concursos minha Mãe venceu, não obstante as obrigações de trabalho no emprego público e no lar, pois a família crescera. E a tudo ela enfrentava com altivez e resignação, até mesmo a safadeza política que nomeava incompetentes com altos salários, sem concurso, para cargos especiais de grande remuneração, permanecendo ela com irrisórios salários no seu cargo de carreira.
Meu Pai também assumiu diversas funções públicas, inclusive ingressando na magistratura, por concurso, em que também obteve a segunda melhor colocação, falecendo aos 60 anos no cargo de Juiz da 3ª Entrância, na comarca de Icó.
Em casa, minha Mãe era a palavra de amparo, o gesto de carinho e a doçura personificada, a par dos cuidados com a formação dos filhos. Realizava-se como nossa professora (dominava como ninguém o Português e também o Francês, embora tenha cursado apenas o Curso Pedagógico de Professora – 3º Grau). Costumo dizer que, além de Mãe boníssima e devotada ao extremo, foi nossa, principalmente minha, grande mestra, corrigindo-me os escritos, estimulando-me à leitura e à carreira das letras.
Figura minúscula de porte, enorme em sua grandeza moral e intelectual. Sobreviveu dezesseis anos à morte do esposo, morrendo aos 72 anos, em nossa cidade”.
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