Raul de Sousa Girão
Membro de destaque da família, não só pelo cargo de Juiz que ocupou por longos anos, mas, muito especialmente, pelo exemplo de dignidade e honradez que deixou àqueles que o conheceram.
Raul Girão nasceu em Morada Nova, na Fazenda Açude Novo, localizada no Sítio Patos, pequena Sesmaria pertencente ao patriarca da família Girão, no ceará, Antônio José Girão.
Filho de Luís Carneiro de Sousa Girão, este, o 1º Escrivão do Crime, Júri e execuções Criminais da Comarca de Fortaleza (o velho Tabelião do Cartório Sousa Girão, e de Celina Cavalcanti Girão, sua prima-irmã).
Aos cinco anos de idade, com a transferência dos pais, passou a morar em Maranguape, cidade onde iniciou seus estudos com a professora Ana de Oliveira Cabral – Dona Naninha, aquela mestra que Raimundo Girão, também seu discípulo, cultuou, escrevendo em seu Livro de Memórias, publicado em 1972: “A minha professora, pois se chamava Dona Naninha, e era aquela moça baixinha, testa larga e cabelos longos (...) morreu não faz quinze dias e a cidade não o sabe, porém muito sabemos que morreu uma criatura feita de amor e meiguice. Muitos seus ex-discípulos nesta cidade, choraram sentidamente a sua morte e eu sou um deles. E sabemos por que choramos”.
Com a transferência de seu genitor, agora para Fortaleza, Raul matriculou-se no Colégio Colombo, depois nos Colégios São Luís e Liceu do Ceará, neste concluindo os preparatórios para ingressar na Faculdade de Direito, onde colou grau no dia 07 de janeiro de 1930.
Dr. Raul, antes mesmo de formado, iniciou seu contato com o Poder Judiciário, exercendo interinamente as funções de 1º Escrivão do Crime e Júri de Fortaleza, as de 3º Tabelião e a de Oficial de Registro de Títulos e Documentos, nos anos de l921, 1926, 1929 e 1931. Desempenhou ainda as de 4º Tabelião, acumuladas com as atribuições de 3º Escrivão do Cível Comércio e Provedoria (1931 e 1935) da mesma Capital.
Em 1936 foi nomeado Juiz da Comarca de Morada Nova. Dr. Raul não fixou residência na cidade. Preferiu morar nas terras do Açude Novo, não na antiga casa onde nasceu, então já pertencente a si e ao irmão Raimundo.
Construiu sua própria casa, a 5 km da cidade. Construção moderna, com banheiros internos e outras dependências que o progresso já favorecia, porém, ainda pouco conhecidas no meio rural.
Além de exercer as funções de magistrado com equilíbrio e justiça, fez-se agricultor, irrigando as terras do açude construído anteriormente pelos herdeiros, em colaboração com o Governo Federal (IFOCS). Plantou cana-de-açúcar e fez rapaduras, atividades que não lhe davam lucros, mas realizações rurais, herança genética do pai. Tal herança também estava refletida na sua prestimosidade, no seu espírito de bem servir a causa pública e os outros.
Mesmo no início de sua gestão como juiz, todos aqueles que o procuravam sentiam-se felizes, não só pelos seus sábios conselhos jurídicos, como também pela acolhida recebida, especialmente pela Belar, esposa dedicada, com que contraíra núpcias a 30 de maio de 1928. Ninguém saía daquela casa sem receber os afagos da Dona Belar.
Os vizinhos, amigos e parentes mais próximos, em visita à residência do Raul, encontravam carinhos e contato com a civilização, características ainda pouco comuns no interior cearense, ainda desprovido de energia, meios de comunicação precários e outros progressos. Uma vez por semana era comum o casal receber os convidados para assistirem ao programa sertanejo da PRA 8, de Pernambuco, que tinha como prefixo a bela canção de Catulo da Paixão Cearense: Luar do Sertão e que era transmitido em seu rádio de marca Zenith, alimentado à bateria, carregada com energia eólica, produzida pelo cataventinho por ele idealizado.
Seu lado humanitário e caritativo se fez sentir intensamente em 1938-1939, período em que a Zona Jaguaribana, especialmente a cidade de Morada Nova, sofreu a trágica epidemia da malária.
Viajando quilômetros e quilômetros a cavalo, se fez médico sanitarista, orientando os rurícolas a usarem proteção contra o mosquito “Anopheles” transmissor da doença e assistindo os enfermos com medicamentos que ele próprio adquiria.
Essas qualidades não evitaram as perseguições políticas, iniciadas com sua transferência para Limoeiro do Norte, depois para Pacoti, Aracoiaba e Assaré, respectivamente.
Em 18 de junho de 1940 foi efetivado na função de Juiz Municipal da recém-criada Comarca - Termo de Guarani, hoje município de Pacajus.
Como primeiro juiz a residir na Comarca, Dr. Raul integrou-se à vida da cidade e à realidade dos problemas sociais, além de tornar o Poder Judiciário mais acessível à classe menos favorecida.
Foi responsável pela instalação do Núcleo da Legião Brasileira de Assistência, em Pacajus, o que lhe permitiu iniciativas de grande importância, tais como a realização do casamento civil de casais com família numerosa e o registro de nascimento dos seus filhos (atos necessários à obtenção de abono familiar), à distribuição de alimentos, de remédios, vestuários, além de outras iniciativas humanitaristas.
Contribuiu, em grande parte, pra a elevação de Pacajus à Comarca de Primeira Entrância, o que se deu pelo Ato das Disposições Transitórias da Constituição Estadual e Lei nº. 2113 de 09 de junho de 1948.
A instalação do Poder Judiciário trouxe ao Município mais tranqüilidade e garantia de defesa aos direitos humanos.
Em Pacajus também demonstrou seu interesse pela atividade rural, adquirindo o sítio que denominou de Tabajara, onde plantou e incentivou os vizinhos para a cultura do cajueiro e aproveitamento de seus derivados, priorizando a fabricação de doce e cajuína.
Pode-se dizer que o pioneirismo industrial de Pacajus, principalmente desses produtos, se deve à instalação da “Fábrica B. Girão”, de propriedade de sua esposa, Belar Girão. Essa fábrica, apesar de artesanal, ficou conhecida nacionalmente pela excelente qualidade de seus produtos: doce-de-caju e cajuína. O exemplo do trabalho de Belar pode ser testemunhado pela quantidade de pessoas, muitas delas ex-operárias da Fabrica B. Girão, que hoje têm, no fabrico de doce-de-caju, o sustento de suas famílias.
No Sítio Tabajara Dr. Raul fundou a Escola da Fábrica B. Girão, para alfabetizar as crianças do sítio e das vizinhanças.
Sua hospitalidade era invulgar, razão das constantes visitas que recebia; eram parentes que precisavam refazer suas energias, provocadas por moléstias ou amigos que sabiam, na Casa do Raul e Belar, iriam receber carinhosa hospitalidade.
Era assim o nosso ilustre e querido e saudoso primo. Infelizmente, testemunhamos que a tranqüilidade e as garantias de defesa dos direitos humanos com os quais ele tanto colaborou como juiz de Pacajus, lhe foram negados quando presenciou ser a sua residência metralhada e os culpados não punidos.
Era o poder paralelo amedrontando ou matando aqueles Magistrados que ousassem a agir com justiça e honradez, especialmente em favor dos menos favorecidos.
Aposentado, exerceu por algum tempo a advocacia.
Cercado pelo carinho de seus filhos adotivos e pela sua segunda esposa, Maria Dolores Girão – de quem não teve filhos - faleceu Raul a 05 de março de 1989.
Pacajus prestou-lhe uma justa homenagem, denominando de Raul de Sousa Girão, a Sala do Júri do Fórum daquele município.
A Prefeitura de Fortaleza, através do Projeto de Lei nº. 39/96 de 27.02.1996, deu o nome de Dr. Raul Sousa Girão a uma importante Rua de Fortaleza.
Nove Comunicação