A Prece de um Juiz
João Alfredo Medeiros Vieira.
Juiz de Direito aposentado (Santa Catarina) e membro, desde 1975, da Academia Catarinense de Letras.
SENHOR! Eu sou o único ser na terra a quem Tu deste
uma parcela de Tua Onipotência: o poder de condenar ou
absolver meus semelhantes.
Diante de mim as pessoas se inclinam; à minha voz
acorrem, à minha palavra obedecem, ao meu mandado se
entregam, ao meu gesto se unem, ou se separam, ou se
despojam. Ao meu aceno as portas das prisões se fecham
às costas do condenado ou se lhe abrem um dia, para a
liberdade. O meu veredicto pode transformar a pobreza
em abastança, e a riqueza em miséria. Da minha decisão
depende o destino de muitas vidas. Sábios e
ignorantes, ricos e pobres, homens e mulheres, os
nascituros, as crianças, os jovens, os loucos e os
moribundos, todos estão sujeitos, desde o nascimento
até a morte à LEI que eu represento e à JUSTIÇA, que
eu simbolizo.
Quão pesado e terrível é o fardo que puseste nos meus
ombros.
AJUDA-ME, SENHOR! Faze com que seu seja digno desta
excelsa missão. Que não me seduza a vaidade do cargo,
não me invada o orgulho, não me atraia a tentação do
mal, não me fascinem as honrarias, não me exaltem as
glórias vãs. Unge as minhas mãos, cinge a minha
fronte, bafeja o meu espírito, a fim de que eu seja um
sacerdote do Direito, que Tu criaste para a Sociedade
Humana. Faze da minha Toga um manto incorruptível. E
da minha pena não o estilete que fere, mas a seta que
assinala a trajetória da Lei, no caminho da Justiça.
AJUDA-ME, SENHOR, a ser justo e firme, honesto e puro,
comedido e magnânimo, sereno e humilde. Que eu seja
implacável com o erro, mas compreensivo com os que
erraram. Amigo da Verdade e guia dos que a procuram.
Aplicador da Lei, mas antes de tudo, cumpridor da
mesma. Não permitas jamais que eu lave as mãos como
Pilatos, diante do inocente, nem atire como Herodes,
sobre os ombros do oprimido a túnica do opróbrio. Que
eu não tema César e nem por temor dele pergunte ao
poviléu se ele prefere “Barrabás ou Jesus”.
Que o meu veredicto não seja o anátema candente e sim
a mensagem que regenera, a voz que conforta, a luz que
clareia, a água que purifica, a semente que germina, a
flor que nasce no azedume do coração humano. Que a
minha sentença possa levar consolo ao atribulado e
alento ao perseguido. Que ela possa enxugar as
lágrimas da viúva e o pranto dos órfãos. E quando
diante da cátedra em que me assento desfilarem os
andrajosos, os miseráveis, os panas sem fé e sem
esperança nos homens, espezinhados, escorraçados,
pisoteados e cujas bocas salivam sem ter pão e cujos
rostos são lavados nas lágrimas da dor da humilhação e
do desprezo, AJUDA-ME, SENHOR, a saciar a sua fome e
sede de Justiça.
AJUDA-ME SENHOR! Quando as minhas horas se povoarem de
sombras; quando as urzes e os cardos do caminho me
ferirem os pés; quando for grande a maldade dos
homens; quando as labaredas do ódio crepitarem e os
punhos se erguerem; quando o maquiavelismo e a
solércia se insinuarem nos caminhos do Bem e
inverterem as regras da Razão, quando o tentador
ofuscar a minha mente e perturbar os meus sentidos.
AJUDA-ME, SENHOR! Quando me atormentar a dúvida,
ilumina o meu espírito, quando eu vacilar, alenta a
minha alma, quando eu esmorecer, conforta-me, quando
eu tropeçar, ampara-me.
E QUANDO UM DIA finalmente eu sucumbir e então como
réu comparecer à Tua Augusta Presença, para o eterno
Juízo, olha compassivo para mim.
Dita, Senhor, a Tua sentença.
Julga-me como um Deus.
Eu julguei como homem.
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